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4B: Fala sobre a tua trajetória e processo:​


Madu Lopes: Não me preocupo muito com a minha trajetória, mas é interessante de se pensar. Acho que dá pra notar um percurso nesse processo, um movimento que é visível em meu trabalho, mas na verdade eu não me preocupo com isso. Estou mais atento ao processo do que ao resultado, como se eu acessasse uma frequência, um tempo outro que eu até chego a chamar de destempo, que é um não tempo, um entre-tempo que eu procuro pra produzir, em que eu me esqueço das contas que eu tenho pra pagar, dos problemas que eu tenho que resolver da situação que eu esteja vivendo e me preocupo só com o processo, então esse trabalho resulta bem dessa frequência, a frequência do prazer de estar, de ser, de fazer. Nisso sou influenciado pela presença dos meus gatos, companhias constantes em meu ateliê e durante meu tempo de produção.​



4B: O que te inspira a produzir?


ML: Meu espaço me inspira muito, cada elemento, cada objeto... Estar aqui pra mim é um processo de mergulho. Assim como a música. Meus gatos me inspiram muito, por sinal não tem nenhum agora aqui em cima da mesa… Assim como todos moradores dessa casa (que são eu, meus gatos e meus cachorros), mas os gatos são presença constante por aqui e pulam pra tela, então ali já está vindo um gato, eu nem penso e eles já estão nascendo aqui na minha frente. Tenho uns “musos” ótimos aqui em casa, eles são presenças muito importantes pra mim, no meu processo.



4B: Como foi a criação do seu ateliê, do espaço?


ML: É um processo meio caótico, de bagunça e acúmulo, sabe? (risos). Eu vou trazendo objetos pra cá, sei lá, às vezes eu configuro o espaço conforme eu tô me sentindo, então ou eu limpo tudo e tiro tudo daqui, deixo só as mesas e jogo tudo pra outro espaço ou eu trago tudo que eu gosto do resto da casa pra cá, fico pequeno aqui nesse espaço, mas é uma necessidade. Eu gosto desse processo de casulo, de ninho. Ganho algumas peças, mas também acho muita coisa. Sou muito sortudo em achar objetos na rua, móveis, latinhas, tampinhas. Pra cada canto que tu olhar tem um objeto com uma história pra eu te contar. Tem muita coisa achada na rua e em “briques”, essas gaiolas, essa caixa, essas máquinas, essas malas que tem pela casa, várias malas, tenho o dom de achar malas na rua.


4B: Como surgiu a ideia de usar os “porongos”?


ML: Na realidade eu comecei com a argila, com a cerâmica. Confeccionava minhas figuras em barro, mulheres e Chicos, sempre buscando formas arredondadas que de certa forma lembravam muito a forma natural do porongo. Por sugestão de uma amiga artista experimentei fazer uma peça sobre o porongo e adorei a experiência, então nasceu uma nova forma de trabalho, de suporte, minha modelagem continuou a mesma, mas sem os tempos da cerâmica (produção, secagem, queima, etc), processo que gosto muito e ainda pretendo retomar. Mas nos últimos anos tenho trabalhado unicamente com o porongo como suporte e estou sempre redescobrindo novas formas de utilizá-lo.



4B: Além dos porongos, você usa outro material para fazer os detalhes?


ML: Utilizando o porongo como suporte, comecei a buscar materiais que se adequassem a modelagem e possibilitassem o acabamento que eu queria, assim como uma maior resistência, então comecei a utilizar a massa epóxi. Na verdade desde pequeno eu trabalho com modelagem não só em argila, já experimentei vários materiais, até mesmo cera de abelha, pois meu pai era apicultor, então a gente tinha acesso a esse material em casa. Dava uma aquecidinha na cera para deixá-la mais maleável e modelava alguma figura dali, sempre tive um grande prazer em fazer isso. Essa questão do epóxi me remete um pouco a esse processo da cera, da modelagem em si mesmo, da brincadeira com a massinha, então acho que esse foi um link interessante que eu fiz com meu próprio processo.



4B: A modelagem refletiu de algum jeito na sua pintura?


ML: Acredito que sim, as formas arredondadas que eu trabalho no porongo e nas cerâmicas se repetem nas telas e também no meu desenho e vice-versa. Acho que tem uma característica que tu consegue identificar tanto nas peças tridimensionais quanto nas telas, ou em outros suportes. Percebo que tem uma unidade que representa meu estilo independente do suporte que eu use e que está presente em todas as formas trabalhadas, até mesmo quando trabalho em suportes diversos, como uma porta, uma gavetinha, uma lata, uma bandeja, muitas peças que encontro ao acaso, até mesmo na rua.


4B: Por que vocês optou por não entrar no meio acadêmico? Você acha que limitaria seu processo?


ML: Agora eu acho que não, mas o que me preocupa atualmente é a questão do tempo. Eu acho fantástico o processo de aprendizado, de contato com novos meios e técnicas, com outros artistas. Eu acho que no meu caso acabou sendo melhor a opção de ter me explorado, de ter feito um processo de descoberta muito meu sem certa “interferência” externa, então eu acho que agora isso seria interessantíssimo, não sei, de repente fazer uma reciclagem. Não falei coisa com coisa, completamente labiríntico, né? (risos) É complicado, pois eu optei por não entrar na academia e não costumo questionar muito isso. Eu sempre fui muito ligado ao meu processo, e como eu falei ele foi acontecendo, e eu não senti uma necessidade real de entrar na faculdade. Tenho uma troca fabulosa com pessoas do meio acadêmico, que tem um universo riquíssimo, eu acho que pra mim isso é um elemento fabuloso e acho super válido esse processo de construção do processo criativo. Cada um sabe o que é melhor pra si.


4B: Você tem um cuidado, quase uma paternidade com as suas obras, por que nomeá-la?


ML: Eu gosto de dar nomes e de achar figuras, pois tem presenças que são interessantes. Eu fiz uma série de modistas chamadas Ana, porque Dona Ana foi uma vizinha muito especial, que morava aqui do lado com seu esposo, Seu Carlos, que trabalhou a vida inteira com fundição em bronze, às vezes e eu fechava o expediente de trabalho aqui e ia tomar um café com eles e era riquíssimo aquilo, ela era costureira e trabalhou a vida inteira com moda e tinha histórias fantásticas. Um cigarrinho, um café e as histórias que a Dona Ana contava às cinco ou seis horas da tarde e isso pra mim foi muito rico, essa troca com eles. Infelizmente ela adoeceu, e veio a falecer então eu fiz uma costureira depois que ela faleceu, depois eu percebi e identifiquei ali o universo que ela retratou e senti a necessidade de dar continuidade, assim criei uma série de costureiras em homenagem a ela, que são essas costureiras que eu dedico à memória dela, essas peças em porongo que para mim são as “filhas da Ana.”



4B: Vemos muitas cores no teu trabalho. Chegou a trabalhar ou trabalha com preto e branco?


ML: Preto e branco não, mas um trabalho mais sépia sim, com um tom mais sépia eu fiz uma sequência pra uma mostra que era intitulada “Filhas da Terra”, trabalhei com uns tons mais terrosos bem queimados. Preto e branco já fiz alguns trabalhos, mas não dei continuidade…



4B: Você pensa na cor antes de começar a pintar?


ML: A cor ela vem sozinha, por mais que eu queira fazer um trabalho mais pálido ou em um tom ou outro, as cores vem. Eu gosto da cor, dessa vibração.



4B: E tem algum trabalho que você não venderia?


ML: Tenho muita coisa espalhada por aí, pois tenho um ritmo de produção constante há mais de dez anos, para mim o processo acaba na mesa e depois a peça já vai embora, então não tem como ter muito contato. Aprendi a lidar com isso, mas é meio complicado. Tu te apaixonas por algumas obras quando finaliza, mas é aquela coisa de momento, tá ali e depois já foi, mas tem coisas que ficam assim, passam um tempo por aqui depois eu negocio com alguém, alguém passa aqui e se interessa e aí vai, mas eu tento prezar por algumas coisas pra pontuar momentos. Eu sou bem desprendido, se tu te apaixonares por uma peça e se for visível esse encontro teu com a obra então ela é tua, mas eu já tive coisas minhas que eu gostava muito e que foram embora, aconteceram encontros. E vai fazer o quê, bloqu0ear esse encontro? Então vai, vai para o mundo, vai pra quem tiver que ir. Se a identificação for bonita, é o processo… Eu sou muito atento ao processo, eu tô aqui, tô curtindo a obra e depois ela adquire vida própria, tem seu caminho, vai pra onde tiver que ir, o que tiver que ser.



4B: Nada a ver, mas porque tem uma chave tatuada no braço (há várias chaves pelo ateliê)?


ML: Pois é, eu também me pergunto isso, ela é um símbolo constante que começou a aparecer no meu trabalho. Eu acho o simbolismo da chave fantástico, é algo que abre algo que induz uma força de abertura, um instrumento mágico pra mim. Então eu gosto da ideia da chave, acho interessante, ainda tô me perguntando porque eu fiz, tenho várias respostas, mas acho que não cheguei a alguma definitiva, ainda não abri a porta e nem sei se vou abrir.


4B: Alguma dica pra quem tá começando? Como dar o pontapé inicial?



ML: O fundamental é ter prazer no que tu faz, gostar de produzir, de criar. Tem que gostar e estar presente no que tu cria, o restante é um movimento que eu acredito que acontece com o tempo, naturalmente, acredito numa força assim… Ao mesmo tempo tem que ter compromisso com o que tu faz, com teu estilo e assim buscar mostrar, botar na rua, levar ao outro, que representa esse olhar de fora que tem que ser explorado. Para isso é preciso se despir do casulo que normalmente o artista enfrenta diante do seu processo criativo, enfrentando essa dificuldade de botar pra fora, mostra sua cara.





Contato com o Artista:

E-mail: madulopes@yahoo.com.br

Fone: (53) 9139.1339 ou (53) 8442.8000

http://www.flickr.com/madulopes

Entrevista com Madu Lopes

"Eu sou bem desprendido, se tu te apaixonares por uma peça e se for visível esse encontro teu com a obra então ela é tua, mas eu já tive coisas minhas que eu gostava muito e que foram embora, aconteceram encontros. E vai fazer o quê, bloquear esse encontro? Então vai, vai para o mundo, vai pra quem tiver que ir. Se a identificação for bonita, é o processo…"

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